Poema Circense
Atirei meu coração às areias do circo como se atira ao mar uma
âncora aflita. Ninguém bateu palmas. O trapezista sorriu,
o leão farejou-me desdenhosamente, o palhaço zombou
de minha sombra fatídica.
Só a pequena bailarina compreendeu. Em suas mãos de opala,
meu coração refletia as nuvens de outono, os jogos de
infância, as vozes populares.
Depois de muitas quedas, aprendi. Sei agora me vestir com
razoável destreza, os risos da hiena, a frágil polidez dos
elefantes, a elegância marinha dos corcéis.
Todavia, quando as luzes se apagam, readquiro antigos poderes
e voo. Voo para um mundo sem espelhos falsos, onde o sol
devolve a cada coisa a sombra natural e onde não há aplausos,
porque tudo é justo , porque tudo é bom.
José Paulo Paes. Quem , eu?. São Paulo: Atual, 1996. p. 47.