terça-feira, 19 de março de 2019

Ainda bem...


                                               Ainda bem que deu tempo

                Aquele olhar encantou-o sobremaneira. Sentiu também uma correspondência. Um querer igual,   desejo de chegar perto, de estar ao lado. Contemplação e aproximação.
                Não, melhor não, não era o momento. Coração a fraquejar e entregar-se assim primeira vez,  não. Coração aberto não dava, não podia, fugia ao seu estilo.
                Passou a simular. Era uma indiferença dolorida que a si impunha obrigatória. E olhá-la assim indiferente , que contrassenso, que forma estúpida de se conter.
                Nas conversas, confundia-se em argumentos. As palavras pareciam tão estéreis. Não podia, por muito tempo, enganar, levar a termo aquela incontida resolução de não amar, de não querer o amor. Como se coração tivesse querer...
                Os dias passavam-se. E foi numa tarde que a viu. Estava entretida em pensamentos. Despertou-a, cumprimentando-a timidamente. Ela abriu-lhe um sorriso, brilho no olhar, alegria de festa, felicidade a bailar, revelando evidências. Mas só ele não queria enxergar, estava ainda  preso  à resistência, num esforço hercúleo para continuar insensível.
                Conversaram assuntos vãos. Ele era quem os direcionava. Que besteira essa de homem ser durão,  coisa antiga , enraizada eternamente nas gerações.
                Olhou-a no profundo então, percebeu-a novamente ensimesmada. Não dava mais. Era tão linda, lirismo puro, como numa tela de Chagal. Leveza e flutuação.
                Assim, num repente , baixou a guarda, o coração foi imperativo e, prontamente , irresistivelmente a beijou. Foi correspondido. Toda resistência caiu por terra. Era definitivamente o amor liberto das amarras de um fingimento, puro orgulho, sem sentido, coisa besta mesmo.
                 Ainda bem que deu tempo, pois o amor não espera muito não, logo se evade rumo ao horizonte das ilusões perdidas.

                                                                                                                                        Aureliano