quinta-feira, 26 de julho de 2018

Celebrando a beleza da natureza


                  
         Texto: “A hora e a vez de Augusto Matraga – ( trecho )  Guimarães Rosa

            "Mas, afinal, as chuvas cessaram, e deu uma manhã em que Nhô Augusto saiu para o terreiro e desconheceu o mundo: um sol, talqualzinho a bola de enxofre do fundo do pote, marinhava céu acima, num azul de água sem praias com luz jogada de um para o outro lado, e um desperdício de verdes cá embaixo — a manhã mais bonita que ele já pudera ver.

            Estava capinando, na beira do rego.
            De repente, na altura, a manhã gargalhou: um bando de maitacas passava, tinindo guizos, partindo vi­dros, estralejando de rir. E outro. Mais outro. E ainda outro, mais bai­xo, com as maitacas verdinhas, grulhantes, incapazes de acertarem, as vozes na disciplina de um coro.
            Depois, um grupo verde-azulado, mais sóbrio de gritos e em fileiras mais juntas.
            — Uai! Até as maracanãs!
            E mais maitacas. E outra vez as maracanãs fanhosas. E não se acabavam mais. Quase sem folga: era uma revoada estrilando bem por cima da gente, e outra brotando ao norte, como pontozinho preto, e outra ― grão de verdura — se sumindo no sul.
            — Levou o diabo, que eu nunca pensei que tinha tantos!
            E agora os periquitos, os periquitos de guinchos timpânicos, uma esquadrilha sobrevoando outra ... E mesmo, de vez em quando, discutindo, brigando, um casal de papagaios ciumentos. Todos tinham muita pressa: os únicos que interromperam, por momentos, a viagem, foram os alegres tuins, os minúsculos de cabecinha amarela, que não levam nada a sério, e que choveram nos pés de mamão e fizeram recreio, aos pares, sem sustar o alarido — rrr!-rrri!! rrr!-rrri!! ...
            Mas o que não se interrompia era o trânsito das gárrulas maitacas. Um bando grazinava alto, risonho, para o que ia na frente:
            — Me espera! Me espera!... — E o grito tremia e ficava nos ares, para o outro escalão, que avançava lá atrás.
            — Virgem! Estão todas assanha­das, pensando que já tem milho nas roças... Mas, também, como é que podia haver um de-manhã mesmo bonito, sem as maitacas?!...
            O sol ia subindo, por cima do voo verde das aves itinerantes. Do outro lado da cerca, passou uma rapariga. Bonita! Todas as mulheres eram boni­tas. Todo anjo do céu devia de ser mulher."

                           (Guimarães Rosa, in “A hora e a vez de Augusto Matraga”)