Presença de
espírito de um árabe
Latino
Coelho
El Hadjaje, governador de
uma província de África, saíra um dia com seus grandes oficiais a caçar, e como
seguisse tenazmente uma rês, afastou-se dos que o acompanhavam a ponto, que não
sabia depois como voltasse.
Quando estava a meditar no
que devia fazer viu um árabe velho, em um próximo campo, a mirá-lo muito
atento.
– Donde és tu? disse o
governador.
– Daquela cabana que vês
além.
– Não és dos de Beni-Adjel?
– Tu o disseste: este campo
pertence-lhe.
– Ora, conta-me cá bom
velho, que se diz por aí dos agentes do governo?
– Diz-se que são homens sem
honra, sem fé, e sem vergonha, que roubam, perseguem e oprimem os habitantes.
– E tu formas deles a mesma
opinião?
– A mesma exatamente.
– E que me dizes de El
Hadjaje?
– Digo que é o pior de
todos. Deus o faça tão negro como um carvão, e amaldiçoe o Califa que lhe
confiou o mundo.
– Sabes com quem estás
falando?
– Em verdade, não sei.
– Pois eu sou El Hadjaje.
– Folgo em conhecer-te,
disse o ancião sem perturbar-se. E tu sabes quem eu sou?
– Não, respondeu o
governador maravilhado.
– Chamam-se Zeid-ben-Aamer,
e sou o louco de Beni-Adjel. Todos os dias, um pouco antes do sol posto, perco
a razão. São quatro horas talvez; não me pode tardar muito o acesso.
O governador não procedeu
contra o pobre do homem, e depois de lhe perguntar pelo caminho que devia
seguir, deu-lhe algum dinheiro, e abalou.
***
Em: O Panorama: semanário
literário e instrutivo, volume IX, primeiro da terceira série, publicado em 5
de setembro de 1846 a 15 de dezembro de 1852. Lisboa: 1852, p. 312.