Ainda bem que deu tempo
Aquele
olhar encantou-o sobremaneira. Sentiu também uma correspondência. Um querer
igual, desejo de chegar perto, de estar
ao lado. Contemplação e aproximação.
Não,
melhor não, não era o momento. Coração a fraquejar e entregar-se assim primeira
vez, não. Coração aberto não dava, não
podia, fugia ao seu estilo.
Passou
a simular. Era uma indiferença dolorida que a si impunha obrigatória. E olhá-la
assim indiferente , que contrassenso, que forma estúpida de se conter.
Nas
conversas, confundia-se em argumentos. As palavras pareciam tão estéreis. Não
podia, por muito tempo, enganar, levar a termo aquela incontida resolução de
não amar, de não querer o amor. Como se coração tivesse querer...
Os
dias passavam-se. E foi numa tarde que a viu. Estava entretida em pensamentos.
Despertou-a, cumprimentando-a timidamente. Ela abriu-lhe um sorriso, brilho no
olhar, alegria de festa, felicidade a bailar, revelando evidências. Mas só ele
não queria enxergar, estava ainda
preso à resistência, num esforço
hercúleo para continuar insensível.
Conversaram
assuntos vãos. Ele era quem os direcionava. Que besteira essa de homem ser
durão, coisa antiga , enraizada
eternamente nas gerações.
Olhou-a
no profundo então, percebeu-a novamente ensimesmada. Não dava mais. Era tão
linda, lirismo puro, como numa tela de Chagal. Leveza e flutuação.
Assim,
num repente , baixou a guarda, o coração foi imperativo e, prontamente ,
irresistivelmente a beijou. Foi correspondido. Toda resistência caiu por terra.
Era definitivamente o amor liberto das amarras de um fingimento, puro orgulho,
sem sentido, coisa besta mesmo.
Ainda bem que deu tempo, pois o amor não
espera muito não, logo se evade rumo ao horizonte das ilusões perdidas.
Aureliano