sexta-feira, 12 de outubro de 2012


                                                                      Imagem  Chelin Sanjuan         

a  serenidade...

A serenidade não é feita nem de troça nem de narcisismo, é conhecimento supremo e amor, afirmação da realidade, atenção desperta junto à borda dos grandes fundos e de todos os abismos; é uma virtude dos santos e dos cavaleiros, é indestrutível e cresce com a idade e a aproximação da morte. É o segredo da beleza e a verdadeira substância de toda a arte.
O poeta que celebra, na dança dos seus versos, as magnificências e os terrores da vida, o músico que lhes dá os tons de duma pura presença, trazem-nos a luz; aumentam a alegria e a clareza sobre a Terra, mesmo se primeiro nos fazem passar por lágrimas e emoções dolorosas. Talvez o poeta cujos versos nos encantam tenha sido um triste solitário, e o músico um sonhador melancólico: isso não impede que as suas obras participem da serenidade dos deuses e das estrelas. O que eles nos dão, não são mais as suas trevas, a sua dor ou o seu medo, é uma gota de luz pura, de eterna serenidade. Mesmo quando povos inteiros, línguas inteiras, procuram explorar as profundezas cósmicas em mitos, cosmogonias, religiões, o último e supremo termo que poderão atingir é essa serenidade.


                Hermann Hesse, in 'O Jogo das Contas de Vidro'

                                                          
                       O Barco

                   
                   O barco deitado
                   no macio da água
                   segue silente.

                   Em seu navegar
                   um sopro de ar
                   o empurra lentamente.

                   O barco solitário
                   avança no rio.
                   Paisagens margeiam-lhe o destino.

                   Só um navegante o conduz:
                   olhar e pensamento.

                   No horizonte
                   o sol reluz.

                                           Aureliano

sábado, 6 de outubro de 2012


                                                         
                                                                  Embriaguem-se

                É preciso estar sempre embriagado. Aí está: eis a única questão. Para não sentirem o fardo horrível do Tempo que verga e inclina para a terra, é preciso que se embriaguem sem descanso.
                Com quê? Com vinho, poesia ou virtude, a escolher. Mas embriaguem-se.
                E se, porventura, nos degraus de um palácio, sobre a relva verde de um fosso, na solidão morna do quarto, a embriaguez diminuir ou desaparecer quando você acordar, pergunte ao  vento, à vega, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que flui, a tudo que geme, a tudo que gira, a tudo que canta, a tudo que fala, pergunte que horas são; e o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio responderão: “É hora de embriagar-se! Para não serem os escravos martirizados do Tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso” Com vinho, poesia ou virtude, a escolher”.
                                                                                      Charles Baudelaire

                                                                                                                  Extraído do site Nox in Vitro